quarta-feira, 26 de maio de 2010

Os Supertoscanos

Caros Confrades,

Em vista da nossa proxima degustação, encontrei este texto bastante interessante, do Jorge Lucki, sobre a origem dos Supertoscanos.

Vale a leitura.....


"Saber fazer devidas correções de rumo é imperativo em qualquer setor; no vinho não é diferente. Seja porque as condições mudam, o consumidor pede e espera, ou o mercado exige. No caso da Toscana, está mais do que na hora de repensar o momento e redefinir parâmetros que norteiam a elaboração de seus vinhos e sua identificação por parte de quem compra.


Se a França é atenta e precisa, mas demasiado rígida, na legislação que rege suas Appellation d´Origine Contrôlée, a A.O.C., a Itália é lenta e deixa a desejar na definição de suas DOC e DOCG, a Denominazione di Origine Controllata e a Garantita. No caso dos franceses, são basicamente os produtores que reclamam, já que as normas impostas pelo órgão soberano, o INAO, Institut Nacional des Appellations d´Origine, os deixam sem flexibilidade para atender às novas tendências de mercado. Isso explica a situação complicada em que se encontram boa parte dos petits châteaux de Bordeaux, perdendo terreno frente aos vinhos do Novo Mundo, que apresentam rótulos com relação qualidade x preço bem mais interessantes. Bem ou mal, no entanto, a França define claramente - há tempos e de forma imutável - região, suas características e, em boa parte delas alguma classificação, utilizando termos como grand cru e premier cru, entre outros.
Já pelo lado italiano, o consumidor é de certa forma, o mais prejudicado. A história começa na década de 60, onde, até então, cada produtor fazia o que queria e de baixa qualidade. Na Toscana, em particular, conviviam parreiras no meio de oliveiras e outras culturas, e nem todos plantavam o mesmo clone de sangiovese, sua casta principal - segundo a lenda, tem nome originário de "sangue de Júpiter" ou "sanguis Jovis", numa alusão a cor intensa do vinho. Era pratica comum a mistura de vinhos de várias zonas, impossibilitando determinar com certeza a região de origem e daí sua defesa no mercado. A introdução da legislação DOC em 1964 tentou colocar ordem na casa, delimitando áreas de produção e estabelecendo regras de cultivo, entre elas as variedades que deveriam (obrigatoriamente) serem utilizadas.
A definição das castas a serem empregadas não levava em conta qualidade, mas o aproveitamento de vinhedos então plantados. Assim, os chiantis deveriam ser elaborados com cerca de 75% de sangiovese, tendo como complemento a tinta canaiolo e as brancas malvasia e trebbiano. A composição, fórmula imaginada ainda nos idos de 1840 pelo Barão Bettino Ricasoli, tinha como função dar frescor ao vinho e deixá-lo mais prazeroso logo de início. A receita pode ter dado resultado em outros tempos, por volta de 1960 não mais.
A saída, para quem buscava vinhos acima da média, foi abrir mão da Denominação de Origem (Chianti), e utilizar castas "proibidas", em especial merlot e cabernet sauvignon, que permitiriam atingir patamares superiores de qualidade. Nascia, então, uma nova categoria de vinhos, os "rebeldes", que ficou conhecida, informalmente, por "supertoscanos". O pioneiro foi o Sassicaia, rótulo que ganhou incrível prestígio e abriu caminho para os demais.
O Sassicaia nasceu da ideia do Marquês Mario Incisa della Rocchetta, piemontês de origem, que em meados dos anos 40 resolveu plantar em sua propriedade de Bolgheri, às margens do Mar Tirreno, mudas trazidas do Château Latour. Era, na verdade, fruto da admiração do Marquês por grandes bordeaux. A região de Bolgheri, aliás, ainda que tivesse influência marítima, tal qual Bordeaux, nem era reconhecida por eventual aptidão à viticultura. Incisa della Rocchetta não tinha objetivo de desenvolver uma atividade vitivinícola na área. Sua vontade era continuar se dedicando a criar ali cavalos puro sangue e, como "brincadeira" fazer um pouco de vinho.
Desde sua primeira safra oficial, a de 1968, o Sassicaia demonstrara virtudes, e foram elas que levaram Piero Antinori, mentor da célebre casa toscana e sobrinho de della Rocchetta, a convencer o tio a lhe vender 3000 garrafas do vinho. Antinori, então, "emprestou" seu brilhante enólogo da época, Giacomo Tacchis, hoje aposentado, que moldou e deu estilo ao Sassicaia, influenciando daí toda uma geração de produtores na Itália. Inclusive Ludovico Antinori, irmão e sócio de Piero na vinícola da família, que até então preferia vida boa na Califórnia a trabalhar no setor. Pressentindo que o negócio tinha futuro e era glamoroso, Ludovico montou em 1981 sua própria vinícola, vizinha ao do parente, a Tenuta dell´Ornellaia, alcançando semelhante sucesso.
Por muito tempo, os ditos supertoscanos ficaram sem classificação oficial, sendo confundidos como meros Vino da Tavola, os "vinhos de mesa", como são classificados os rótulos mais medíocres do país. A correção só viria em 1992, com a instituição da menção IGT, Indicazione Geografica Tipica, usada até hoje por boa parte dos rótulos italianos de primeira linha que utilizam castas não autorizadas. No fundo, IGT não se prende a delimitações específicas de zonas, abrangendo áreas bem mais amplas - caso da Maremma, região costeira da Toscana -, e tem uma abordagem mais flexível na condução do processo.
Nesse meio tempo, ao invés de regulamentar práticas que tanto deram certo que elevaram o conceito da Toscana no meio vinícola internacional, os organismos italianos responsáveis pela tutela do setor deram sequência ao conceito da DOC, implantando, a partir de 1983, a DOCG, que, a rigor, se caracteriza por alguns (pouco relevantes) controles suplementares e uma demarcação mais precisa de áreas já "premiadas" com a classificação anterior, teoricamente um "upgrade". Uma das primeiras foi a do Chianti Classico, que ficou restrito ao vinho produzido na zona original entre Florença e Siena, e que tem potencial reconhecidamente superior aos demais.
Outros seis Chiantis foram geograficamente delimitados, portando cada um o nome de cidades que eles circunscrevem: Rufina, Montalbano, Colli Fiorentini, Colli Senesi, Colli Aretini, e Colli Pisane.
Para evidenciar que a promoção para a categoria DOCG não é reconhecimento de um produto de qualidade superior vale citar que nela também se inclui o (simplório) Chianti propriamente dito, que vem de uma área ampla e heterogênea - no início do século XX, a área de vinhedos foi alargada de forma indiscriminada e tomou conta de boa parte da Toscana.
A conclusão mais importante e que o consumidor precisa ter consciência para se desvencilhar do conceito, é que a menção DOCG, e mais ainda a DOC, ostentada em rótulos de vinhos italianos, definitivamente não é garantia de qualidade, é apenas de procedência. A qualidade de um vinho está associada exclusivamente ao potencial do vinhedo, o terroir, e à capacidade, talento e propósito de quem tem a responsabilidade de extrair esses recursos ofertados por "mamãe natureza". A bem da verdade, não é diferente na classificação IGT. Aqui, ao menos, o produtor pode interpretar com liberdade o potencial qualitativo que sua terra oferece.
Os defensores das categorias DOC e DOCG argumentam que só sob suas normas e fronteiras é possível se falar em origem geográfica, comportamento e preservação das castas nativas, e expressão de terroir - é uma área demarcada e, teoricamente, com alguma homogeneidade. Não deixa de ser verdade. Por outro lado, hoje o produtor impõe tanto seu estilo que acaba camuflando esses atributos. O conselho é se fixar no nome do produtor e, se agradar, ser fiel a ele. Melhor dizendo, "nomes dos produtores". Não esquecer que o que faz do vinho uma bebida mágica é sua diversidade. Na semana que vem uma abordagem mais específica sobre as regiões da Toscana e seus produtores." (Fonte: Jorge Lucki – Valor)

2 comentários:

  1. Caros, ontem participei de uma degustação de supertoscanos, com os seguintes exemplates (na ordem de classificação): Solaia 2006, Ruit Hora 2004, Sassicaia 2006 e Tignanello 2006.

    O Solaia é um baita vinho, para mim 3 ou 4 pontos acima dos demais. O Ruit Hora é uma gratíssima surpresa, pois custa 4 vezes menos que o Sassicaia e, para mim, tem o mesmo nível. Já o Tignanello mais uma vez me decepcionou. Pagamos R$ 360 em um vinho que, na minha opinião, não passaria de R$ 150. Nada de mais. Segunda vez que apanha em degustação de supertoscanos...

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  2. Aliás, sugiro colocarmos o Ruit Hona na nossa degustação. Custa cerca de R$ 280 e bate muito toscano mais "famoso".

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